Brasil livre da febre aftosa sem vacinação: o fim de uma era e uma grande responsabilidade futura, sob o olhar de quem viveu a história
29 de maio de 2025 – Atualizado em 29/05/2025 – 6:50pm
Aposentado do Indea-MT, Dr. Fernando Moretto relembra quatro décadas de dedicação à defesa agropecuária em Mato Grosso, os desafios da fronteira e os bastidores que moldaram a erradicação da doença no país
No dia em que o Brasil recebe o reconhecimento da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) como país livre da febre aftosa sem vacinação, um dos médicos-veterinários que ajudou a escrever essa história rompe o silêncio. Em entrevista ao CRMV-MT, emotiva e repleta de memórias, Dr. Fernando Moretto, aposentado do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea-MT), resgata passagens marcantes de sua atuação, especialmente na região de Cáceres e na fronteira com a Bolívia.
“O trabalho começou com foco constante. Quando fui para a fronteira, não havia semana sem foco de aftosa. A vacina ainda era rudimentar. Lembro que participei das primeiras campanhas com a vacina oleosa no Pantanal, isso lá em 1985. A aplicação era uma missão, o controle era limitado, e os registros eram todos manuais. Era tudo na unha e no papel vegetal.”
Moretto ingressou no serviço público na década de 1980. Filho de produtores em Lençóis Paulista/SP, teve a primeira formação em Medicina Veterinária no Rio Grande do Sul e passou por experiências duras até a aprovação em concurso. “A gente viajava de noite, fazia vestibular em outra cidade, voltava sem dormir. Finalmente me estabeleci em Mato Grosso, por destino e missão.”
Na década de 1990, já como um dos coordenadores de campo, participou da estruturação de bancos de dados, cadastros de propriedades e introdução de tecnologias como o GPS. “O digital de hoje só é confiável porque teve base no trabalho manual de ontem.”
Ele relembra que o controle da febre aftosa foi possível graças à união entre os entes públicos e privados: produtores, frigoríficos, laboratórios, fundos estaduais. “Não se vence uma doença como essa sozinho. O controle passou pelo campo, pelo manejo, pela vigilância, pela educação e pela diplomacia.”
Entre os desafios, destaca o contrabando de animais pela fronteira e a ausência de infraestrutura em países vizinhos. “Eu trabalhei dentro da Bolívia. Faltava gasolina, comida, mas a gente não parava. Tínhamos o apoio do fundo e a missão clara de erradicar a doença.”
A entrevista também traz críticas veladas à burocracia e à desvalorização do servidor público experiente. “Teve gente que quis apagar histórias. Muita coisa que fiz ficou perdida porque não quiseram dar continuidade ou porque o ego falou mais alto.”
Com a certificação internacional, o Brasil entra em um novo estágio. Mas Moretto alerta: “A responsabilidade é muito maior agora. O gado está sem vacinação e sem memória imunológica. Se houver um foco, as consequências serão catastróficas.”
Ele reforça que, embora a vacinação de rotina tenha sido suspensa, o país mantém estoques estratégicos de vacinas e vírus em bancos específicos, como o PanAftosa, para uso emergencial em caso de necessidade. “A vacina ainda existe. O que foi suspenso é o uso contínuo. Se a situação fugir do controle, a retomada da vacinação pode ser a única alternativa para conter um surto e evitar perdas irreparáveis.”
Apesar de aposentado, Moretto ainda participa de debates e oferece memória técnica aos colegas. “Eu não sou de me calar. Não sou político. Meu compromisso foi sempre com a sanidade. A história está aí para quem quiser ouvir.”
E finaliza, emocionado: “Se eu contribuí um pouco para o Brasil chegar até aqui, já me dou por satisfeito. Essa foi a minha missão.”
Homenagem
Além da trajetória exemplar no serviço público e da contribuição técnica fundamental para o status sanitário do país, Dr. Fernando Moretto também deixou sua marca no Conselho Regional de Medicina Veterinária e Zootecnia de Mato Grosso (CRMV-MT), onde atuou como conselheiro. Seu compromisso com a ética, a formação profissional e a defesa agropecuária é lembrado com gratidão por toda a classe.
O CRMV-MT expressa publicamente seu reconhecimento e agradecimento por sua incansável dedicação à medicina veterinária e à sanidade animal. Histórias como a do Dr. Moretto inspiram novas gerações a seguirem firmes no propósito de proteger a saúde animal, humana e ambiental.
Obrigado, doutor, por sua missão e legado.
Ascom/CRMV-MT