Educação veterinária na encruzilhada: Professor Lázaro Camargo defende presencialidade e alerta sobre riscos de retrocesso
23 de maio de 2025 – Atualizado em 23/05/2025 – 6:13pm
“Prática não se ensina por vídeo.” A afirmação do professor Lázaro Manoel de Camargo — presidente da Comissão Estadual de Ensino de Medicina Veterinária do CRMV-MT — traduz o tom propositivo com que o docente, com mais de 40 anos de atuação no ensino superior, recebeu a Portaria MEC nº 378/2025 e o Decreto nº 12.456/2025, que ampliam a oferta de cursos de graduação na modalidade a distância, inclusive na área da saúde. A entrevista foi concedida ontem quinta-feira (22), em Cuiabá.
Para o professor, o Brasil caminha na contramão do que é praticado internacionalmente. “Temos cerca de 30% das escolas de Medicina Veterinária do mundo no Brasil. Isso já demonstra uma expansão desenfreada e descontrolada. Agora, com a possibilidade de ensino semipresencial, o risco é ampliar a quantidade e comprometer ainda mais a qualidade”, alertou.
Camargo começou a lecionar em 1984 e ajudou a estruturar cursos de Medicina Veterinária em universidades públicas e privadas em diversos estados. Atualmente, coordena o curso na UNIC/MT. Sua fala é carregada de experiência, mas também de inquietação com o que chama de “elitização do ensino presencial” e a “comercialização da formação”. “Enquanto as instituições com estrutura mantêm a presencialidade, outras, sem condições mínimas, podem usar o EaD como atalho para lucrar”, disse.
Segundo ele, a Portaria nº 378/2025 estabelece diretrizes genéricas e desconsidera a especificidade da Medicina Veterinária, ao não incluí-la no grupo dos cursos com exigência de 100% de presencialidade, como Medicina, Psicologia e Odontologia. “A nossa profissão é da saúde. Lida com zoonoses, segurança alimentar, inspeção de alimentos, saúde única. Não faz sentido nos deixar de fora”, criticou.
Na entrevista, o professor também fez uma análise detalhada da estrutura curricular ao longo das décadas. Citou que, quando começou a lecionar, o curso tinha mais de 5.800 horas presenciais. Com as reformas educacionais, houve uma redução para 4.000 horas mínimas, o que já comprometia a carga prática. “Agora, imagine dividir isso com EaD. O que já era apertado, se torna inviável”, pontuou.
Camargo também refletiu sobre o papel da tecnologia. “A tecnologia é fantástica, mas precisa ser aliada da educação, não substituta. E o que falta no Brasil é fiscalização. Não adianta propor modelos ideais sem garantir que eles serão seguidos”, afirmou. Para ele, há uma banalização do EaD, com aulas gravadas que não garantem a interação interpessoal, elemento essencial para o desenvolvimento clínico e ético do médico-veterinário.
Questionado sobre possíveis soluções, ele defendeu um modelo híbrido altamente monitorado, mas deixou claro que, no cenário atual, o ideal seria manter a formação 100% presencial. “Ainda estamos muito longe de ter estrutura tecnológica, cultural e fiscalizatória para garantir qualidade no EaD veterinário.”
Camargo também lamentou a ausência de um debate público mais qualificado e cobrou responsabilidade das instituições formadoras e do governo federal. “Estamos tratando da formação de profissionais que vão cuidar da saúde de animais e, consequentemente, das pessoas. Isso é coisa séria.”
Por fim, o professor destacou a importância de manter o foco na missão do ensino. “Formar por formar não basta. É preciso garantir um mínimo de qualidade. E isso se faz com vivência, com prática, com relação humana — e isso, nenhuma tela de computador substitui.”
Ao final da entrevista, ao ser questionado sobre sua trajetória, o professor se emocionou. “Faz 30, 40 anos que eu vou na colação de grau. Toda vez eu me emociono. Quando estou lá na colação de grau… arrepia”. O silêncio emocionado na sala foi a resposta mais eloquente de quem dedicou a vida ao ensino, ao rigor da prática e à ética na formação profissional.
Texto: Lena Tavares Lira – Jornalista responsável pela entrevista
Foto: Arquivo pessoal/Coordenação do Curso de Medicina Veterinária da UNIC/MT